Do espírito distributivo do Prouni à sede confiscatória do PROIES.

29/05/2013 09:02

Do espírito distributivo do Prouni à sede confiscatória do PROIES.

                                                O espírito que deu origem ao Prouni era, de fato, empolgante e contagiante. Tanto que, para a aprovação do seu projeto, governistas e oposicionistas interromperam os debates acalorados que travavam no Congresso Nacional sobre a CPI dos Correios. Sim, era imperativo que a sociedade pudesse logo usufruir dos benefícios propostos.
                                                Com a criação do Prouni, com a edição da Lei 11.096, de 13 de janeiro de 2005, há que se reconhecer que o governo de Luis Inácio Lula da Silva estabelecia condições para entrar para a história, para passar a ser um divisor de águas no que se refere à democratização ao acesso ao Ensino Superior.
                                                Simpatizantes e adversários, governistas e oposicionistas tiveram que se render à tão nobre medida, posto que não havia como se opor a uma iniciativa que poderia, em questão de anos ou décadas, elevar significativamente os até então ínfimos percentuais de estudantes brasileiros que chegavam ao Ensino Superior. Estávamos abaixo dos índices da maioria dos países vizinhos e incomparavelmente abaixo dos índices dos países europeus, dos EUA, Canadá e dos Tigres Asiáticos.
                                                Assim sendo, em face à necessidade de modernizar o Brasil, de qualificar os brasileiros para ocuparem seu lugar no mercado de trabalho como mão de obra qualificada, diante do irrisório percentual de brasileiros com acesso à educação superior e, por fim, diante da impossibilidade do Estado cumprir adequadamente o que preceitua o artigo 205 da Carta Magna, segundo a qual a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, a alternativa adotada com a edição da Lei do Prouni há que ser reconhecida como brilhante e oportuna.
                                                É conveniente, antes de explanar sobre a alternativa que efetivamente foi adotada, é mister explorar, ainda que de forma incipiente, que outro caminho poderia ter sido percorrido pelo Estado e pela sociedade brasileira no caso da inexistência da iniciativa.
                                                Destaca-se, na mais singela análise, o aspecto econômico-financeiro. Qual deveria ter sido o valor do investimento que deveria de ser suportado pelos cofres públicos para a abertura de um número tão significativo de vagas no Ensino Superior? Quantas universidades precisariam ser criadas e construídas? Qual seria a estrutura de recursos humanos – corpo docente, corpo técnico-administrativo e corpo de gestores que precisaria ser contratado para atender a todos os novos alunos que ingressariam no Ensino Superior? Quanto tempo se perderia até que uma obra de tal envergadura e com tantos custos, pudesse começar a dar seus frutos?

                                                Após os questionamentos sobre montante de investimento necessário para viabilizar as novas vagas que deveriam ser criadas para o Ensino Superior, é oportuno desdobrar a análise sobre o tempo que seria necessário para criar toda essa estrutura, dar funcionalidade, e lhe imprimir a necessária eficácia e eficiência. Sim, há que se questionar sobre quanto tempo essas novas estruturas precisariam para chegar a um padrão razoável de eficiência e eficácia seja em estrutura e gestão, seja na capacidade de atender adequadamente ao processo de ensino-aprendizagem.
                                                É imperativo invocar a história para observar o cenário em que foi construído aquele brilhante projeto, aquele divisor de águas que foi o Prouni e, sobretudo, para salientar o espírito que o embasava.
                                                Conforme mencionado acima, diante da impossibilidade de implementar a expansão de vagas no Ensino Superior com recursos próprios e tendo em vista a premente necessidade de assim o fazer, não coube outra alternativa ao governo senão convidar a iniciativa privada para ser sua parceira. Era o último aspecto que faltava para que esse grande projeto fosse traduzido em realidade.
                                                Quando as IES – Instituições de Ensino Superior foram chamadas a comparecer, apoiar e se transformar em parceiras do poder público para, lado a lado – poder público e IES – implementarem o Prouni, elas não se negaram, antes, muito pelo contrário, seus próprios órgãos de classe se reuniram para debater o assunto e incentivaram que todas, dentro de suas possibilidade, atendessem ao apelo, ao chamamento do Governo Federal e contribuíssem para a concretização do que até então não passava de uma idéia. Sim, destaque-se: sem o apoio irrestrito da iniciativa privada o Prouni nada mais seria do que uma bela idéia que não teria dado certo.
                                                Assim sendo, sem assentar um único tijolo, sem construir uma única sala de aula, sem contratar um único professor ou servidor, pelos cálculos do então líder do governo no Senado, Senador Aloizio Mercadante – atual Ministro da Educação – o governo conseguiu criar, de uma única vez, aproximadamente 400.000 vagas para o Ensino Superior. Esse feito é histórico e digno de ser lembrado.
                                                Ao se atualizar o número de beneficiados pelo Prouni, chega-se hoje à impressionante marca de 1.200.000 (um milhão e duzentos mil) estudantes. E diante desse resultado, há que se indagar: onde se chegaria se tal projeto não houvesse sido abruptamente interrompido? Não se pode deixar de lado, também, a reflexão sobre o quanto o governo economizou com isso, quanto deixou de investir, para poder investir em outras áreas? Quanto economizou nesses anos todos? Quantos alunos tiveram a oportunidade de realizar seus sonhos?
                                                Esse era o espírito originário do Prouni. Era, claramente, uma política distributiva. O governo abria mão de alguns poucos recursos, trocando as bolsas de estudo por isenção de impostos, conseguia imprimir um histórico ritmo de crescimento do acesso ao Ensino Superior, com uma extraordinária economia. De outro lado, as IES que foram chamadas a trabalharem em parceria com o Estado prontamente atenderam e cumpriram de imediato sua parte produzindo o resultado esperado.
                                                Essa lúcida iniciativa e esse espírito distributivo, infelizmente, pelo que se pode observar, já se foram, já são coisas do passado. Ainda que muitas das pessoas, que muitos dos governantes sejam os mesmos, ainda que seja o mesmo partido que ocupa a Presidência da República, ainda assim, é de se lamentar, mas aquele espírito originário foi perdido, deixando lugar a algo que caracteriza este país que é a descontinuidade das políticas públicas. Não se vislumbram políticas de médio ou de longo prazo; muda-se de idéia, muda-se de princípios, descartam-se os parceiros.
                                                Sob tal perspectiva, somente há que se lamentar que mesmo uma idéia tão boa, que contou com o apoio incondicional de quem foi chamado a atuar como parceiro, que foi traduzida em realidade, que beneficiou a tantos brasileiros que sem tais oportunidades talvez jamais teriam conseguido vislumbrar passar pelos umbrais das universidades para realizar seus sonhos, não conseguiu atravessar uma única década. Lamentavelmente, esse é o Brasil.
                                                E o que foi proposto em troca? O PROIES. Uma medida segundo a qual, o governo pretende obrigar as IES – aquelas mesmas que atenderam prontamente ao chamamento do governo e abriram suas portas quando este as convidou para a já mencionada parceria – a aderirem ao PROIES para poderem continuar no Prouni. Porém, para aderir ao PROIES, as Instituições precisam admitir dívidas controversas, dívidas que no entender de muitas delas, são inexistentes, posto que são Instituições Beneficentes de Assistência Social e, portanto, imunes a determinadas tributações. Tributações essas que estão sendo questionadas judicialmente e que, a seu tempo, os Tribunais Superiores irão decidir se são devidas ou não. Assim sendo, para aderirem ao PROIES, para não serem descredenciadas do Prouni, as IES estão sendo forçadas a confessar dívidas controversas, que somente a posteriori o Supremo decidirá se existentes ou não.
                                                Parece haver um grande contra censo em tudo que está ocorrendo, parece não haver muita lógica e parece que este país está destinado a não ter memória, pois em menos de uma década, aqueles que representaram a solução para a implementação de um magnífico projeto de democratização do acesso ao Ensino Superior, agora são alvo de processo administrativo para ver se ainda manterão o direito de continuar colaborando com o governo em aumentar o percentual de estudantes que chegam a esse nível de formação.
                                                Não obstante tudo o que foi exposto, ainda há que se questionar outros aspectos, a saber, os mecanismos coercitivos ora utilizados, a legalidade ou ilegalidade do que o governo está propondo e o exíguo tempo, (cinco dias) para que as IES – aquelas antigas parceiras, agora descartadas – respondessem aos ofícios e notas técnicas que receberam, bem como também os atuais cinco dias para apresentarem seu recurso sobre a exclusão do Prouni.

Prof. Gilmar Getúlio Silveira Garagorry
Reitor do Centro Universitário Metropolitano de São Paulo
FIG-UNIMESP

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